Opinião, *Destaque Opinião: Bebês Reborn, Pais de Pet e a solidão na era digital

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado o crescimento de duas práticas que, à primeira vista, parecem distintas, mas compartilham raízes emocionais e sociais profundas: a febre dos bebês reborn e a identificação de pessoas como “mães” ou “pais” de pets. Ambas as tendências, amplificadas pelas redes sociais, têm gerado debates acalorados, com críticas que vão desde preocupações com a saúde mental até questionamentos sobre a perda de conexão com a realidade. Enquanto isso, vivemos em um mundo onde as relações são cada vez mais mediadas por telas, os indivíduos estão mais isolados e o senso de comunidade parece se desfazer. Embora cada pessoa tenha o direito de buscar conforto e felicidade como quiser, é importante refletir: até que ponto essas práticas, quando levadas ao extremo, podem prejudicar o desenvolvimento emocional e enfraquecer os laços sociais que sustentam a coletividade?

onda dos bebês reborn e suas críticas

Bebês reborn são bonecos hiper-realistas que simulam recém-nascidos, muitas vezes tratados por suas donas como filhos de verdade. No Brasil, a prática ganhou força nos últimos anos, especialmente nas redes sociais, onde influenciadoras compartilham rotinas detalhadas de cuidado com esses bonecos, incluindo “partos” simulados e trocas de fraldas. Um exemplo marcante foi o vídeo de Carolina Rossi, que viralizou ao encenar o nascimento de um reborn, gerando milhões de visualizações e uma onda de críticas. A repercussão negativa, segundo a psicóloga Denise Milk, reflete o desconforto social com a linha tênue entre brincadeira e perda de contato com a realidade.

As principais críticas aos bebês reborn giram em torno de três pontos. Primeiro, há a preocupação com a saúde mental. Psicólogos alertam que, para algumas pessoas, o apego excessivo a esses bonecos pode estar ligado a perdas, traumas ou desejos não realizados, como a maternidade frustrada. Segundo, há o questionamento ético: em um país com milhares de crianças aguardando adoção, por que optar por cuidar de um objeto inanimado?

Mães e pais de pet: uparalelo emocional

Paralelamente, a identificação como “mãe” ou “pai” de pet também cresceu no Brasil. Muitas pessoas tratam seus animais de estimação como filhos, com rotinas elaboradas, festas de aniversário e até carrinhos de bebê para passeios. Essa prática, embora mais comum e socialmente aceita, também enfrenta críticas. Alguns a veem como uma humanização exagerada dos animais, que pode ignorar suas necessidades biológicas. Outros, como a usuária de X @Ligiaamachaddo, consideram “bizarra” a intensidade do apego, comparando-a ao fenômeno dos reborn.

Assim como no caso dos reborn, as críticas aos pais de pet frequentemente apontam para questões emocionais. O vínculo intenso com animais pode ser uma forma de compensar carências afetivas ou substituir relações humanas complexas por conexões mais previsíveis. Além disso, há quem argumente que essa prática reflete uma sociedade individualista, onde cuidar de um pet é mais simples do que manter laços familiares ou comunitários.

Tecnologia, atomização e a perda de comunidade

Essas tendências não surgem isoladamente. Elas estão inseridas em um contexto onde as relações humanas são cada vez mais mediadas por tecnologia. No Brasil, passamos, em média, 9 horas diárias conectados, com 3 horas e 37 minutos em redes sociais como Instagram e TikTok. Esse tempo, muitas vezes, substitui interações presenciais, enfraquecendo laços sociais. A pandemia de COVID-19 intensificou esse processo, forçando crianças, adolescentes e adultos a dependerem de telas para estudar, trabalhar e se relacionar.

A tecnologia, embora traga benefícios, também contribui para a atomização dos indivíduos. Cada notificação ou curtida oferece uma dose de dopamina, mas nos afasta do presente e de relações autênticas. O resultado é uma sociedade onde as pessoas se sentem mais sozinhas, mesmo estando “conectadas”. Nesse cenário, práticas como cuidar de bebês reborn ou tratar pets como filhos podem ser tentativas de preencher o vazio deixado pela perda do senso de comunidade. Como diz o ditado nigeriano, “é preciso uma vila para cuidar de uma criança”. Mas onde está a vila quando vivemos tão focados em nossas telas e rotinas individuais?

direito de escolher e seus limites

É fundamental respeitar o direito de cada pessoa buscar conforto e felicidade à sua maneira. Para algumas, os bebês reborn são uma forma de expressão criativa ou um mecanismo de lidar com perdas. Para outras, os pets oferecem amor incondicional em um mundo caótico. Julgar essas escolhas sem contexto é injusto e simplista. Como explica a psicóloga Denise Milk, o apego a objetos ou animais pode ser um mecanismo psíquico de reorganização, ajudando pessoas a “viver aquilo que não viveram”.

No entanto, há um outro lado. Quando essas práticas substituem relações humanas ou se tornam obsessivas, elas podem prejudicar o desenvolvimento emocional. O apego a um boneco ou a um animal, por mais reconfortante que seja, não substitui a complexidade das interações humanas, que desafiam, ensinam e transformam. Além disso, o foco excessivo no individual – seja cuidando de um reborn, de um pet ou de uma tela – pode enfraquecer os laços sociais que sustentam a coletividade. Comunidades fortes dependem de confiança, empatia e colaboração, qualidades que se desenvolvem no convívio, não no isolamento.

Um convite à reflexão

Os bebês reborn e a parentalidade de pets são sintomas de um tempo em que buscamos sentido em um mundo fragmentado. Eles refletem tanto a liberdade de escolha quanto a solidão de uma era digital. Não se trata de proibir ou ridicularizar essas práticas, mas de perguntar: o que elas dizem sobre nossas necessidades emocionais? Como podemos equilibrar o conforto individual com a construção de laços comunitários?

Talvez a resposta esteja em pequenas ações: conversar com um vizinho, participar de um grupo local, ou simplesmente desligar o celular por algumas horas. A tecnologia pode conectar, mas é no encontro real que encontramos sentido. Que possamos escolher com liberdade, mas também com consciência, para que, em vez de nos isolarmos, possamos construir vilas – reais ou virtuais – onde todos se sintam acolhidos.

Por Marcos Marinho

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