*Destaque, Opinião, Política O dilema de Caiado – líder da direita ou refém de Bolsonaro?

Por Marcos Marinho, professor e estrategista político.

Ronaldo Caiado, agora pré-candidato à Presidência em 2026, tem tentado navegar por um terreno político escorregadio: o de se posicionar como uma alternativa viável na direita brasileira, descolando-se do ex-presidente Jair Bolsonaro, enquanto, paradoxalmente, mantém gestos que sugerem uma relação de conveniência com o bolsonarismo. Suas falas e ações revelam um político experiente que busca autonomia, mas que não consegue – ou não quer – escapar completamente da órbita do ex-presidente, especialmente quando o assunto é a anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

O discurso de independência 

Caiado não economiza palavras ao tentar se diferenciar de Bolsonaro. Em entrevistas recentes, como à BBC News Brasil em abril de 2025, declarou: “Eu não sou preposto de ninguém. O próximo presidente tem que ter independência moral”. Essa retórica é reforçada por posicionamentos que contrastam com o estilo confrontacionista de Bolsonaro. Durante o lançamento de sua pré-candidatura em Salvador, na Bahia, no dia 4 de abril de 2025, Caiado defendeu o diálogo entre os Poderes, o respeito às urnas e uma postura menos polarizada, distanciando-se da narrativa bolsonarista de “ditadura do STF” – algo que ele explicitamente negou em entrevista ao Metrópoles em março de 2025. “Como democrata que sou, não rotularei um poder”, afirmou, em clara oposição às críticas ferozes de Bolsonaro ao Judiciário.

Esse esforço de descolamento não é apenas retórico. Caiado já demonstrou pragmatismo político ao se afastar de Bolsonaro durante a pandemia, criticando a gestão federal da crise sanitária, e, mais recentemente, ao derrotar candidatos apoiados pelo ex-presidente nas eleições municipais de 2024 em Goiânia e Aparecida de Goiânia. Tais vitórias locais foram interpretadas como um sinal de que o governador busca construir um projeto próprio, livre do que ele mesmo chamou de “política do jeito Bolsonaro”, que, segundo ele, “o Brasil cansou”.

Os gestos de subordinação

No entanto, a narrativa de independência de Caiado é constantemente desafiada por suas ações. Sua participação em eventos organizados por Bolsonaro, como o ato na Avenida Paulista em 6 de abril de 2025, em defesa da anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, expõe uma contradição evidente. Embora Caiado defenda a anistia como uma forma de “arrefecer o clima do país” – uma posição que ele afirma ter sido o primeiro a levantar, ainda em 2023 –, sua presença ao lado de Bolsonaro nesses atos sugere mais do que apenas uma coincidência ideológica. Para muitos analistas, trata-se de um cálculo político: ao se alinhar ao ex-presidente em pautas sensíveis ao eleitorado conservador, Caiado busca capturar parte do espólio bolsonarista, essencial para sua viabilidade em 2026.

Essa ambiguidade fica ainda mais clara quando se considera o contexto judicial de Bolsonaro. Acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, o ex-presidente tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal (STF) e, embora inelegível até 2030, insiste em se apresentar como candidato, mobilizando seus apoiadores para pressionar o Congresso e o Judiciário por uma anistia que o beneficie. Caiado, por sua vez, já enfrentou condenação por abuso de poder político nas eleições municipais de 2024, decisão que o tornou inelegível em primeira instância – ainda sob recurso. Assim, seu apoio à anistia pode ser lido como um gesto de autoproteção, caso precise de um precedente favorável no futuro.

O lançamento na Bahia e as ausências significativas 

O lançamento da pré-candidatura de Caiado em Salvador foi um marco simbólico, mas também revelou as fragilidades de seu projeto. Realizado em um auditório lotado, com cerca de 5 mil pessoas, o evento contou com o apoio de aliados como ACM Neto e Bruno Reis, ambos do União Brasil, e tentou projetar Caiado como um nome da “direita moderada” capaz de ocupar o vácuo deixado por Bolsonaro. No entanto, as ausências de Jair Bolsonaro e de Antônio Rueda, presidente nacional do União Brasil, foram gritantes. A falta de Bolsonaro sinaliza que o ex-presidente não está disposto a ceder espaço, enquanto a ausência de Rueda reflete as divisões internas do partido, que abriga tanto bolsonaristas quanto uma ala alinhada ao governo Lula.

O impacto desse evento na Bahia foi ambíguo. Por um lado, Caiado conseguiu mobilizar prefeitos e apoiadores, usando cores patrióticas e um discurso focado em segurança pública e gestão – temas que ressoam com o eleitorado conservador. Por outro, a ausência de uma liderança nacional de peso e a percepção de que o ato foi um movimento isolado dentro do União Brasil limitaram seu alcance. Sem o respaldo explícito de Bolsonaro ou de uma unidade partidária, Caiado enfrenta o desafio de se tornar conhecido fora de Goiás e de superar a desconfiança de que seu projeto é apenas uma aposta oportunista.

Bolsonaro e o controle da Direita

A insistência de Bolsonaro em se manter como protagonista da direita brasileira é um obstáculo central para Caiado e outros nomes, como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ratinho Jr. Mesmo inelegível, Bolsonaro usa sua influência para impedir o surgimento de um concorrente forte, mantendo seu séquito de apoiadores mobilizado. Os atos pela anistia, como o da Paulista, são menos sobre os condenados do 8 de janeiro e mais sobre sua própria sobrevivência política. Ao discursar por quase 25 minutos em 6 de abril, Bolsonaro mal tocou no tema da anistia, focando em sua inocência e em uma eventual candidatura em 2026 – uma estratégia que visa pressionar legisladores e o STF a reverterem sua situação jurídica.

Esse controle impede que a direita se renove. Enquanto Bolsonaro alimenta a narrativa de vitimização, nomes como Caiado ficam presos a um dilema: ou se subordinam ao ex-presidente para herdar seus votos, ou tentam enfrentá-lo, arriscando alienar uma base fiel. Caiado parece optar por uma terceira via, flertando com o bolsonarismo em pautas específicas, como a anistia, enquanto busca se diferenciar em estilo e discurso. Mas, como apontou o cientista político Cláudio Couto à CartaCapital, “não apostaria muito na chance de Caiado se viabilizar como um candidato realmente competitivo” sem uma ruptura mais clara.

Um jogo de equilíbrio perigoso 

Ronaldo Caiado está em um jogo de equilíbrio delicado. Suas falas de autonomia e seus gestos de vassalagem refletem a tensão de quem quer ser uma alternativa na direita sem romper com o passado bolsonarista. O lançamento de sua pré-candidatura na Bahia foi um passo ousado, mas as ausências de Bolsonaro e Rueda mostram que ele ainda não tem o controle do tabuleiro. Enquanto Bolsonaro mantiver a direita refém de sua agenda pessoal, figuras como Caiado seguirão orbitando sua influência, incapazes de consolidar um projeto independente. Para 2026, o governador de Goiás precisará decidir: ser um herdeiro ou um adversário. Até lá, sua dança entre independência e conveniência continuará sob escrutínio.

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