Por Marcos Marinho
O peso político dos papas ao longo dos séculos revela que, mais do que meros guardiões da fé, esses líderes têm influenciado decisões de governos, moldado tratados internacionais e, em momentos cruciais, atuado como mediadores de conflitos. Hoje, num mundo polarizado e marcado por fake news — especialmente em países como o Brasil, onde teorias conspiratórias contra o Papa Francisco se espalham com voracidade —, é urgente refletir sobre como o próximo pontífice poderá resgatar o papel de unificação que a Igreja Católica já desempenhou em outras eras.
Do poder temporal à diplomacia humanitária
Na Idade Média, o Papa Gregório VII chegou a desafiar imperadores, afirmando em seu Dictatus Papae que “o papa somente pode ser julgado por Deus” — posição que garantia ao pontífice autoridade sobre príncipes e monarcas. Já no século XIX, Leão XIII quebrou o silêncio da Igreja em temas sociais, escrevendo a encíclica Rerum Novarum para defender o trabalhador contra abusos do capitalismo industrial nascente. Essas ações mostraram que o Vaticano, mesmo quando não desembainhava espada, exercia influência política de peso.
Francisco: o papa da periferia e da periferia global
Ao eleger, em 2013, o primeiro pontífice latino‑americano, o Colégio de Cardeais sinalizou uma guinada: aproximar o centro do catolicismo dos rincões do mundo. Francisco, com seu sotaque argentino, trouxe a Igreja para o debate sobre crise ambiental, migratórios e justiça social. Seus gestos — como perdoar publicamente presos, defender minorias e criticar a “idolatria do mercado” na encíclica Laudato Si’ — reverberaram em governos e na opinião pública.
Mas, justamente por isso, tornou‑se alvo de calúnias orquestradas. No Brasil, parcelas extremistas da polarização política lançaram boatos de que o Papa apoiaria um lado específico nas eleições; acusaram‑no de “invasão de princípios nacionais” e até de financiar grupos contrários a valores tradicionais. Não por acaso, esses ataques vêm embalados em fake news e memes, que visam sobretudo descredenciar sua voz moral sobre a necessidade de diálogo e respeito ao próximo.
O próximo conclave e o desafio da reconciliação
Com o anúncio da convocação de um novo conclave — e a provável sucessão de um papa formado na era de Francisco —, o mundo assiste à análise dos perfis que podem assumir a liderança da Igreja: de um lado, cardeais que desejam manter o ímpeto reformista e o olhar para as “periferias existenciais”; de outro, conservadores que almejam um retorno a rituais e discursos mais tradicionais.
O Brasil, em especial, precisa de um papa que atue como contraponto à polarização. A crença num líder espiritual capaz de transcender disputas partidárias e de reforçar valores universais — dignidade humana, compaixão, cuidado com a criação — pode funcionar como cimento social. A escolha de um sucessor comprometido com o diálogo ecumênico, a transparência e a justiça social permitirão à Igreja retomar seu papel histórico de mediadora — seja em negociações de paz na América Latina, seja na criação de redes de solidariedade frente a crises econômicas e climáticas.
Além da fumaça branca, a esperança branca
A Igreja Católica tem tradição de, em momentos de crise, oferecer não apenas liderança espiritual, mas também moral. A memória de papas que enfrentaram reis ou que se ergueram em defesa dos mais pobres não é apenas um legado teórico: é um chamado para que o próximo pontífice resgate o diálogo como ferramenta de paz, combata a desinformação e reúna credos, nações e gerações em um propósito comum.
Em um mundo em que a desconfiança corre solta e a retórica do “nós contra eles” cresce, o papa — seja ele conservador ou progressista — poderá ser a voz que reúne aquilo que nos separa. Resta ao Colégio de Cardeais reconhecer que, hoje mais do que nunca, sua decisão afetará não apenas a geopolítica tradicional, mas também o tecido moral das sociedades que clamam por união.
Crédito da imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal.